sábado, 31 de dezembro de 2011

Leia INFELZ NATAL (crônica que integra meu livro ARTéRIAS)


De uns anos para cá não tenho saído muito de casa à noite, assim como alguns milhares de cariocas que têm algo a perder; seja do ponto de vista financeiro, ou até vendo pelo aspecto do potencial intrínseco que cada pessoa possui e que pode ser suprimido de um momento para outro enquanto exercemos o direito mor de ir e vir. Porém, imbuído do espírito natalino resolvi aceitar convite para confraternizar com dois amigos num restaurante do Baixo-Gávea, zona sul do Rio de Janeiro. Foi numa quarta-feira, dia dezessete de dezembro; cheguei ao restaurante com a minha motocicleta por volta das dezenove horas, estacionei e fui me reunir com os amigos numa mesa do restaurante. Estávamos todos felizes como há muito não via; aquele clima me contagiou e acabei ficando lá mais tempo do que programara, pois tinha planos de chegar cedo em casa. Por volta das nove e meia me despedi dos amigos; peguei a minha motocicleta e rumei para o Jardim Botânico. Eu não percebi, mas passei a ser seguido por duas motos com dois elementos em cada; eles estavam com os faróis apagados, e por estarem todos os semáforos da Rua Jardim Botânico abertos, os criminosos só conseguiram me abordar quando eu precisei diminuir a velocidade para transpor um dos imensos quebra-molas que a prefeitura construiu na Rua Benjamim Batista. E, detalhe, isto aconteceu bem em frente a uma das cabines de segurança particular da rua. Naquele trecho que é paralelo à Rua Jardim Botânico há diversas cabines com seguranças que não servem para nada na hora em que a barra fica pesada. Pois eles mesmos não têm o que fazer para evitar que os crimes ocorram. Não usam armas e estão munidos apenas de um apito. Vejam bem, um apito para combater todos os perigos. Então eu me pergunto: para quê servem os seguranças se eles somem quando é mais necessária a presença deles? Seria melhor se instalassem espantalhos inanimados dentro das cabines, como aqueles que se usavam nas lavouras antigamente, antes de inventarem os malditos agrotóxicos. A abordagem dos assaltantes foi contundente e assustadora. Abalroaram a minha motocicleta com a roda da frente da moto deles. O carona desta moto brandia uma pistola enorme e reluzente. Uma arma para impressionar. Ao mesmo tempo em que eu tombava com a minha motocicleta outra moto com dois bandidos chegava por trás, tudo muito rápido, muito bem executado. Eles sabiam o que faziam e estavam prontos para me matar se fosse preciso. Já devem ter praticado isso inúmeras vezes, tal era a destreza exibida na ação. Recebi algumas coronhadas e ainda levaram todos os meus pertences. Eu devia me sentir feliz por estar vivo e por ter escapado ileso. Mas não consigo parar de sentir uma angústia acachapante, um sentimento de impotência que não cessa. Sinto-me acuado na cidade em que nasci. Na cidade que teima em ser maravilhosa, mas que a cada dia se torna mais perigosa. Quando o poder público não consegue impor o respeito às leis e à ordem, prolifera a fragilidade de toda uma sociedade-alvo, exposta cada vez mais a episódios violentamente traumatizantes e, porque não dizer, fatais. Os cariocas correm perigo e muitos já se condenam a não sair mais de noite e se veem confinados tal qual prisioneiros em suas próprias residências. Mas nem dentro de casa o cidadão está totalmente protegido. A ousadia dos bandidos parece não ter limites, pois quando querem invadem residências e delegacias; e quem deveria dar estes limites? De quem é a culpa? O que podemos fazer? Quem vai recuperar a minha motocicleta? Tenho vontade de abandonar a cidade que amo. Procurar outro estado onde eu possa ir e vir despreocupadamente. Motocicleta é um ícone de liberdade, mas eu não posso mais ter motocicleta no Rio de Janeiro. Não me sinto mais livre e jamais andarei de motocicleta na minha cidade. Afinal a liberdade é o sentimento que move os verdadeiros motociclistas. E liberdade não combina em nada com o Rio de Janeiro do século XXI.

Zeca Fonseca
Carta enviada, mas não publicada, ao jornal O GLOBO (Dezembro de 2008)

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