terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Alegria fantasiada

Alegria fantasiada



O carnaval é um saco!
Uma festança generalizada prevista para durar quatro dias. É também a coisa mais chata que existe para quem detesta folia.
Pessoas estão doentes, deprimidas, tristes ou apenas sem alegria. São mulheres e homens incapazes de viver uma data tão festiva. Sem fantasias para cobrirem suas feridas abertas.
Fluidos negativos ziguezagueiam nesta época do ano. O Rio de Janeiro fica repleto de foliões, pra lá de animados, vindos dos mais variados pontos do Brasil e do planeta. E, não podemos esquecer, temos aqui problemas graves. A violência continua latente, apesar de rolar um certo cessar fogo histórico durante o carnaval. Uma cidade não pode ser maravilhosa sem paz. Tentar disfarçar o mau funcionamento desta metrópole, sitiada, é como cobrir com glacê um enorme bolo solado.
No Rio, o carnaval é uma festividade de alto risco. Virou banalidade a proliferação de balas perdidas e de doenças contagiosas. São muitas as moléstias que se pode contrair alegremente.
O que importa é a diversão. Eu sei. Mas não passa pela minha cabeça ir para a rua, e misturar-me àquela alegria artificial e imperativa.
Não sou contra a alegria, quero apenas frisar que existem infelizes.
Vamos pensar: o que faz um infeliz, sozinho, no carnaval?
Os alegres, as colombinas bêbadas e os pierrôs drogados, refestelam-se nos blocos como almas penadas. Procuram alguma coisa que desconhecem. Talvez a morte. Mas, como é carnaval, ela está fantasiada de vida.
O mais incrível é que nos blocos que eles se arrastam, todos estão vividamente fantasiados por fora, mas falecidos por dentro. Seguem com suas carcaças requebrando ao som do tamborim, ignorando que fazem parte de um cortejo fúnebre, onde o final não é um enterro e sim uma grande ressaca.
A sociedade se prepara para a diversão e esquece seus problemas.
Este período carnavalesco é um hiato no fluxo de lama diária que se deposita na conta de cada pessoa, feliz ou infeliz.
O carnaval funciona como uma descarga ao jogar para longe toda a podridão indesejável. Mas não adianta. É como uma anestesia onde o efeito dura quatro dias. Depois, acaba.
Existe alegria. Mas soa falsa.
Uma miragem ambulante que ilude a todos nós. Inclusive a mim.
Na quarta-feira de cinzas, depois que toda poeira de coliformes fecais ressequidos abaixar, a nossa vida voltará a ser a mesma coisa de antes.
Continuaremos atraídos por nós mesmos. Qualquer reflexo nos encanta.
A nossa imagem, impressa no espelho, revela que somos perfeitos espantalhos. Espantamos o que resta de nós, naquilo que vemos refletido.
Quanto mais me olho no espelho, menos vejo quem realmente sou. Possuo algum tipo de melancolia crônica de origem, totalmente, desconhecida. Nem me preocupo mais. Quero ficar bem, mas não forçarei a barra para parecer feliz. Assumirei que estou em outra vibração.
Não me deixarei seduzir pela boiada feliz, rumo ao pasto de bosta em que se transforma o Rio no carnaval.
Pastam no asfalto sujo e relincham de prazer.
Eu, assim como muitas pessoas, descansarei.
Lerei muito e escreverei um pouco.
Verei filmes; os cinemas ficam mais vazios e as locadoras oferecem promoções irresistíveis.
Passearei na orla da lagoa ou na areia da praia; observarei as pessoas que estiverem lá. Serão semelhantes meus. Do contrário, estariam dormindo.
Terei sempre à mão a programação dos blocos de carnaval. E o mapa da cidade para facilitar a minha fuga, caso resolva sair de casa.
Hei de sobreviver na contramão desse carnaval.


Zeca Fonseca (carnaval de 2008)