domingo, 6 de novembro de 2011

Rolling Tears ou “Mas foi o que aconteceu”

Eu tinha 17 anos nessa época. O mundo estava vivendo crises econômicas consecutivas. O planeta sofria com terremotos, vulcões entrando em erupção e outras desgraças como o aquecimento global que não cessa. Minha mãe vivia me falando para eu arrumar um bico para ganhar um dinheiro porque ela não podia mais me dar mesada.
Um vizinho meu tocava bateria muito bem, podia escutá-lo todos os dias; resolvi bater lá na porta dele e perguntar se toparia fundar uma banda comigo. Ele topou. Já tínhamos um cantor, eu; um guitarrista, eu; um compositor, eu; e um baterista, o Vizinho.
Nos primeiros dias a banda não tinha nome ainda, portanto esta foi a primeira coisa a fazer depois que determinamos que nossas bandas preferidas eram Magnetic Fields, Rolling Stones e Faces. Chegamos à conclusão que o nome de nossa banda deveria ser em inglês, já que nossas bandas de preferência cantavam em inglês. Eu disse que queria algo que de alguma forma reverenciasse essas bandas. Pensamos em várias alternativas. Faces foi logo descartado porque existe uma editora com este nome; sugeri Magnetic Tears e Vizinho retrucou dizendo:
“Rolling Tears.”
“Perfeito.” Eu disse. E era mais que perfeito aquele nome, pois tínhamos uma pegada meio melancólica.
E assim surgiu a banda.
Em um mês já tínhamos um baixista experiente e uma empresária dedicada.
Em dois meses já tínhamos uma música para iniciar o trabalho de divulgação da banda. Por incrível que pareça a música foi escrita pelo Vizinho, e ele mesmo cantava. Deu tudo certo no estúdio e a música encaixou. Eu fazia coro com o Vizinho no refrão. A música era meio grunge, meio balada de rock da antiga e conta a história de um homem que desiste de viver apesar de não ter motivo para isso; nenhuma tristeza para justificar um suicídio, mas foi o que aconteceu segundo a própria letra da música. Esse era o refrão que eu cantava com o Vizinho suicida. Sim, foi isso mesmo que aconteceu. O vizinho, depois do estouro da Rolling Tears no mercado fonográfico, resolveu se suicidar tal qual a letra que ele escrevera; sem motivo, sem tristeza. Entrou do banheiro e só saiu de lá numa maca – morto.
Em três meses não havia mais banda. Não havia mais nada. Eu fiquei mal. Era como se eu tivesse morrido e não o Vizinho. Não saía mais de casa e não encostava mais na guitarra. O baixista já estava em outra banda, e a empresária sumiu. Comecei a tomar remédios fortes contra depressão. Queria gritar, ou explodir se fosse possível.
Resolvi me matar quando meu pai abriu a janela aberta e disse enquanto admirava o mar:
“Isso é que é vida...” Eu dei inicio a uma corrida calculada em direção à janela e quando cheguei perto da janela me atirei de cabeça no embalo. Ainda senti minha calça roçando a camisa de meu pai. Não queria mais viver, mas me arrependi no momento em que senti o ar – queda livre, sem volta.
Escutei o som do grito de meu pai se afastando, senti vontade de dizer que amava ele como amava minha mãe. Queria morrer antes de atingir o solo, foi a última coisa que deu tempo de pensar.

Zeca Fonseca
Niterói, nov 2011

Um comentário:

  1. essa crônica tem uma pegada forte. vai ver que o solo imaginado era de uma pegada forte também.

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